quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Quem me vendeu Midsommar me deve desculpas

Hora de mais uma resenha de filme, que dessa vez é Midsommar, do diretor Ari Aster. ESSA ANÁLISE NÃO É SPOILER-FREE! Logo, se você ainda não assistiu o filme e tem essa intenção, dê as costas agora e volte em outro momento.



Antes de mais nada quero deixar duas coisas bem claras: um, antes de assistir à esse filme eu ouvi críticas excelentes dele que me deixaram automaticamente com a expectativa alta - o que pode ter sido um erro meu. Dois; não assisti o outro filme do diretor com o qual Midsommar é muito comparado, Hereditary, então a minha análise é de cabeça limpa pra comparativos. Tendo essas duas coisas em mente, vou tentar ser o mais direta possível sobre como, para mim, Midsommar é muito menos espetacular do que as pessoas estão convencidas.



Assumindo que quem continuou lendo até aqui já assistiu ao filme, vou direto às vias de fato.
O primeiro problema do filme pra mim, é que a construção dos personagens apresenta várias falhas; enquanto Dani e Josh levam o filme nas costas por serem as única personagem com uma construção decente, personalidades coerentes e boas motivações, o enredo também conta com Christian cujo desempenho na história consegue ser ao mesmo tempo incompreensível e previsível, Pelle que foi tristemente mal aproveitado, Mark que é um alívio cômico ruim e só pensa com o pau, o casal que literalmente foda-se porque eles brotaram na história e saíram dela quase que intocados pela trama principal, e a adolescente que precisava engravidar de alguém que não fosse sueco. Apesar de acreditar que o casting foi um trabalho bem feito por permitir que atores menos conhecidos brilhassem, ao mesmo tempo tem um problema de convencimento pro público. Jack Raynor (Christian) e Will Poulter (Mark) não parecem de forma alguma com mestrandos ou doutorandos, assemelhando-se muito mais com o núcleo de American Pie que acabou de entrar na faculdade. Nada neles denota “antropólogo”. William Jackson e Vilhelm Blomgren, respectivamente Josh e Pelle saíram na frente nesse quesito… Mas, como já disse antes, Pelle foi mal explorado. As intenções dele ficam dúbias. Ele é um amigo fura-olho e tinha interesse na Dani, ou é só alguém decente comparado com o Christian? Ele saiu da Suécia e foi até os Estados Unidos fazer um doutorado só pra achar gente pra sacrificar quando chegasse a hora do ritual bizarro de sua vila? Por que inseriram a informação de que os pais dele foram mortos em fogo, se não dá pra correlacionar com o ritual da vila, já que ele não estava vivo na data do festival anterior? Questãs.




Midsommar foi feito pra ser assistidos com três olhos abertos e isso é um ponto forte. Muitas informações estão “escondidas à céu aberto entre as cenas da história” (o quadro de urso na casa da Dani? A bebida de cor diferente pra Christian? A primeira cena que é literalmente uma pintura que conta a história toda?). Mas, uma vez que você sabe disso, a trama fica imediatamente previsível, e o ritmo é tão lento que fica chato esperar pra ver o que você já sabe que vai acontecer.



Sobre o ritmo… Tá aí a coisa que mais me incomodou no filme inteiro, junto com a falta de progresso da história. Disseram que o filme não era cansativo porque tinham coisas acontecendo do início ao fim, mas é mentira. O começo é eletrizante, com toda a cena da Dani preocupada com a irmã, depois a morte da família, aí a cena simplesmente incrível da transição entre a porta do banheiro e a do avião. Até o momento da viagem de carro, o filme pontua sem defeitos.



Após a cena da estrada de cabeça pra baixo, no entanto, a ladeira desceu. Quando os viajantes chegam em Harga, a beleza do cenário e a fotografia me tiraram totalmente o fôlego… Mas todo o ritmo do filme morreu. Foi como ver um carro engasgar e não conseguir ligar de volta até os minutos finais de filme. Não me entendam mal; eu não estava esperando a ação de um jumpscare (que inclusive detesto!), mas as coisas passaram a acontecer tão devagar e tão sem sentido que eu não achei proveitosa a experiência.



Algumas cenas fariam mais sentido se estivéssemos acompanhando a história apenas do ponto de vista de Dani - o que não era o caso. Faria sentido que nós não soubéssemos o que houve em primeira mão com Connie e Simon já que ela não estava lá.
Mas ela também não estava no momento da morte de Josh, e nós vimos tudo. O filme te ensina uma fórmula que de interpretação que ele mesmo desensina depois. Também pudemos ver antes de Dani o Christian transando com a Maja, e todo o circuito de acontecimentos que o levou à isso.



Eu estou de boa com as cenas gore, que fizeram seu papel em agregar o impacto que o enredo pedia, mas me incomoda um pouco a falta de propósito. Por que Simon pendurado no galinheiro? Por que Mark sendo usado como máscara? Por que o urso??? Sinceramente até agora me perguntando por que CARALHOS o urso. Nada de respostas. Parece só mais um recurso visual que foi jogado ali porque ia ficar esteticamente legal e foda-se.




Ainda sobre falta de propósito… É isso. É esse o resumo, é o filme inteirinho. Se você olha pela perspectiva do crescimento pessoal da Dani, a história consegue uma nota 4 de 10. Porque a história simplesmente não é boa. A melhor de todas as interpretações que eu vi sobre o filme, é de que ele é um conto de fadas - o tipo original, contos sangrentos de fadas. Porque no fim do dia é a história da jovem órfã que surpassa suas provações e vira rainha - o que é ótimo! Mas não é isso que o filme vende. É terror.



Agora sobre coisas realmente incríveis. As transições e a fotografia, obviamente, brilharam. Sonorização impecável feita em crescendo e atingindo até a espinha nos momentos de suspense - especialmente a cena da garagem. A atuação de Florence Pugh. O cenário. E por último, a melhor cena do filme inteirinho (pra mim, né); os gritos em uníssono durante o ritual da Maja e o ataque de pânico da Dani. Não consigo descrever em palavras o quanto essa cena mexeu comigo, me arrepiou e trouxe lágrimas ao olhos. Achei lindo! De verdade, maravilhoso!



Pra finalizar, eu diria que o filme tem algumas coisas realmente muito boas, mas a grande maioria acaba sendo desperdício de tempo, infelizmente.Eu vejo em muitas das críticas a seguinte máxima: “Midsommar não é um filme, é uma experiência.”, mas é uma experiência de quê? O que está sendo experienciado? Por que o filme tem sido tão reverenciado?



Destrinchando:

Fotografia: 9
Sonorização: 9
Enredo: 4
Ritmo: 4
Comprometimento com o tema: 5
Casting: 7
Atuação: 7
Direção: 8
Transições: 9
Teste de Bechdel: Passou raspando! Mas passou. Agradeçam à Connie e seus cinco minutos de participação.

Nota final: 6,88 (de alguém que esperava um 9,0).
Recomendo: Pra quem quer assistir só com metade do cérebro ligado sem se importar com pontas soltas.



Estou de cabeça aberta pra quem discordar e quiser continuar num debate saudável sobre. Midsommar é superestimado, change my mind.

domingo, 13 de outubro de 2019

Conversas Unilaterais

Conversar sozinho é comum. Não é um indicativo de doença, loucura ou de extrema genialidade como certos artigos de internet tentam nos vender pra ganhar acesso de pessoas que têm urgência em se sentirem especiais. É só o padrão.

Tag You're It - Melanie Martinez


Nós conversamos com nós mesmos o tempo todo! Seja em voz alta ou somente no eco de nossa cabeça. Porque 24h por dia, somos nós com nós. A irrevogável companhia. Por isso a gente dialoga o tempo inteiro, até briga, até consola, até elogia por um feito acima da média. Não é interessante que muitas pessoas tenham dificuldade em dialogar com outras pessoas ou passar uma ideia? Não tem segredo. É o mesmo princípio de desenhar.

Essa evolução é da artista Pixel.Yuu cujo traço e trampo é maravilhoso.


Quanto mais você desenha, mais fácil fica pra desenhar e melhor o desenho sai. Imaginar lindas paisagens e não conseguir passá-las para o papel é uma frustração pela qual a maioria de nós já passou na infância. Afinal, tá nítido na nossa cabeça - ou acreditamos que esteja -. Spoiler alerta; na verdade não existe nada de nítido na nossa cabeça. Nossos pensamentos passam por fluxos neurais e o mais normal é que vários estejam funcionando simultaneamente, causando certa nebulosidade em cada uma das coisas individuais que pensamos. Quando está calor como têm estado nos últimos dias, um dos meus fluxos ativos mais recorrentes é o pensamento de que eu preciso tomar um banho, e isso fica no fundo da minha cabeça durante o dia todo - mesmo que eu já tenha tomado banho.

Calor demais irmão, sem condições.


Claro que isso é só um exemplo. O lugar onde eu tô querendo chegar é na criação e na criatividade. Quem cria qualquer tipo de coisa vai invariavelmente se deparar com a maldição do bloqueio criativo. Não conseguir criar nada é algo que acontece, e muito, mas não é motivo pra desespero. É só dar um tempo. O diálogo unilateral vai continuar existindo, em alguns momentos vai dar pra se ouvir melhor que em outros… O importante é não deixar de conversar sozinho e estimular de verdade a conversa. Até que papo seja tão bom que você não vai ter opção além de compartilhar com outras pessoas.

Chegamos lá!


E é sempre bom lembrar: se expressar é prática! Fale até ficar bom nisso.